11.AS RAÍZES DO BRASIL
(*) Dário Moreira de Castro Alves
Diz Jorge Couto em sua obra A Construção do Brasil, publicada este ano em Lisboa, que a sociedade brasileira é o resultado de um processo de miscigenação biológica e cultural que remonta ao início do contato dos portugueses com o elemento ameríndio da terra brasileira, revestido, na primeira fase, de um caráter euro-americano para depois abranger, a partir da segunda metade dos anos Quinhentos, a componente africana.
A miscigenação entre portugueses e mulheres indígenas ocorreu antes do início da colonização do Brasil, que só adveio mais de 30 anos após a descoberta da terra de Vera Cruz. Os precursores da miscigenação foram "lançados", os náufragos, os desertores ou degregados, primitivos habitantes daquele Brasil. A extensão do processo Inter-racial para depois abranger o elemento negro deu as bases da composição étnica do país, a que alude o estudo de Jorge Couto e o próprio título do livro. Foi assim que o país começou a ser construído socialmente.
São vários os relatos dasprimeiras décadas do século sobre a presença de degregados lusos que tiveram descendentes de uma e mais mulheres silvículas. Foi o caso do conhecido Bacharel que viveu muitos anos no litotal paulista. Filhas dele e de várias mulheres vieram a casar com náufragos europeus. João Ramalho e António Rodrigues foram pioneiros da miscigenação no planalto de Pitatininga ( São Paulo). O primeiro, que em 1532 ajudou Martin Afonso de Sousa a fundar São Vicente, a primeira vila do Brasil, casou com Bartira, filha do moribixaba ( cacique) Tibiriça. Outra descendente de Tibiriça casou com o português Pêro Dias, antigo irmão jesuíta que obteve dispensa do celibato. Essas ligações entre portugueses e mulheres indíginas - afirma Jorge Couto - estão na origem de alguns importantes troncos paulista. Na São Paulo de nossos dias, as Ruas João Ramalho e Bartira são vizinhas e paralelas, num bairro na região oeste da cidade. Diogo Alvares, o Caramuru, náufrago português, aparecido nas costas da Bahia, em 1510, foi recolhido pelos silvícolas aos quais maravilhou com um tiro de espingarda, devendo-se sua alcunha ao nome de um grande peixe do mar. Teve filhos de sua relação com a índia Paraguaçú, pelo batismo chamada Catarina Alvares. Suas filhas casaram com europeus, designadamente Paulo Dias Adorno, Custódio Rodrigues Correia, João Figueiredo. Três dos seus filhos (Gaspar, Gabriel e Jorge Alvares) foram aramados cavaleiros por Tomé de Sousa, Primeiro-Governador Geral do Brasil (1549-1553). Em Pernambuco um exemplo foi dado por Jerónimo de Albuquerque, cunhado do donatário da capitania, Duarte Coelho, que se relacionou com a filha do chefe indígina Arcoverde, depois do batismo Maria do Espírito Santo Arcoverde, bem como com outros silvícolas com os quais teve descendência, o que lhe valeu o epíteto de "Adão pernambucano". Uma de suas filhas, Catarina de Albuquerque, casou com o florentino Filipe Cavalcanti, tronco de família pernambucana. Os descendentes de portugueses e índias eram chamados de mamelucos ( pelo tom cobre da pele, se pareciam com os mamelucos do Egito), sendo os filhos de índios com mamelucas, os curiboca. Com a vinda de africanos, surgiram quatro categorias étnicas: o mulato, o pardo, o cafuso e o cabra. Os descedentes de pais europeus eram chamados de mazombos e os nascidos no Brasil de pai e mãe negros eram os crioulos. O livro de Couto cobre o espectro do conjunto dos fatos que marcaram a construção do Brasil no primeiro século de seu existir português. Tudo está na obra, a proto-história étnica. O Tratado de Tordesilhas e o significado do alargamento do meridiano luso-castelhano de partilha do Atlântico, a viagem de Duarte Pacheco Pereira ao continente americano sntes de Álvarez Cabral, o início do Governo Geral do Brasil, a França Antártica, a disputa pela terra brasileira, a Bahia, o Rio de Janeiro, a escravidão, a miscigenação religiosa, os cronistas que na época escreveram sobre o Brasil e tantos mais temas sobre a construção do que vem a ser a maior realização dos portugueses fora de suas fronteiras: o Brasil.
(*) Embaixador brasileiro aposentado, residente em Lisboa, Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento do Mundo da Língua Portuguesa.
Diz Jorge Couto em sua obra A Construção do Brasil, publicada este ano em Lisboa, que a sociedade brasileira é o resultado de um processo de miscigenação biológica e cultural que remonta ao início do contato dos portugueses com o elemento ameríndio da terra brasileira, revestido, na primeira fase, de um caráter euro-americano para depois abranger, a partir da segunda metade dos anos Quinhentos, a componente africana.
A miscigenação entre portugueses e mulheres indígenas ocorreu antes do início da colonização do Brasil, que só adveio mais de 30 anos após a descoberta da terra de Vera Cruz. Os precursores da miscigenação foram "lançados", os náufragos, os desertores ou degregados, primitivos habitantes daquele Brasil. A extensão do processo Inter-racial para depois abranger o elemento negro deu as bases da composição étnica do país, a que alude o estudo de Jorge Couto e o próprio título do livro. Foi assim que o país começou a ser construído socialmente.
São vários os relatos dasprimeiras décadas do século sobre a presença de degregados lusos que tiveram descendentes de uma e mais mulheres silvículas. Foi o caso do conhecido Bacharel que viveu muitos anos no litotal paulista. Filhas dele e de várias mulheres vieram a casar com náufragos europeus. João Ramalho e António Rodrigues foram pioneiros da miscigenação no planalto de Pitatininga ( São Paulo). O primeiro, que em 1532 ajudou Martin Afonso de Sousa a fundar São Vicente, a primeira vila do Brasil, casou com Bartira, filha do moribixaba ( cacique) Tibiriça. Outra descendente de Tibiriça casou com o português Pêro Dias, antigo irmão jesuíta que obteve dispensa do celibato. Essas ligações entre portugueses e mulheres indíginas - afirma Jorge Couto - estão na origem de alguns importantes troncos paulista. Na São Paulo de nossos dias, as Ruas João Ramalho e Bartira são vizinhas e paralelas, num bairro na região oeste da cidade. Diogo Alvares, o Caramuru, náufrago português, aparecido nas costas da Bahia, em 1510, foi recolhido pelos silvícolas aos quais maravilhou com um tiro de espingarda, devendo-se sua alcunha ao nome de um grande peixe do mar. Teve filhos de sua relação com a índia Paraguaçú, pelo batismo chamada Catarina Alvares. Suas filhas casaram com europeus, designadamente Paulo Dias Adorno, Custódio Rodrigues Correia, João Figueiredo. Três dos seus filhos (Gaspar, Gabriel e Jorge Alvares) foram aramados cavaleiros por Tomé de Sousa, Primeiro-Governador Geral do Brasil (1549-1553). Em Pernambuco um exemplo foi dado por Jerónimo de Albuquerque, cunhado do donatário da capitania, Duarte Coelho, que se relacionou com a filha do chefe indígina Arcoverde, depois do batismo Maria do Espírito Santo Arcoverde, bem como com outros silvícolas com os quais teve descendência, o que lhe valeu o epíteto de "Adão pernambucano". Uma de suas filhas, Catarina de Albuquerque, casou com o florentino Filipe Cavalcanti, tronco de família pernambucana. Os descendentes de portugueses e índias eram chamados de mamelucos ( pelo tom cobre da pele, se pareciam com os mamelucos do Egito), sendo os filhos de índios com mamelucas, os curiboca. Com a vinda de africanos, surgiram quatro categorias étnicas: o mulato, o pardo, o cafuso e o cabra. Os descedentes de pais europeus eram chamados de mazombos e os nascidos no Brasil de pai e mãe negros eram os crioulos. O livro de Couto cobre o espectro do conjunto dos fatos que marcaram a construção do Brasil no primeiro século de seu existir português. Tudo está na obra, a proto-história étnica. O Tratado de Tordesilhas e o significado do alargamento do meridiano luso-castelhano de partilha do Atlântico, a viagem de Duarte Pacheco Pereira ao continente americano sntes de Álvarez Cabral, o início do Governo Geral do Brasil, a França Antártica, a disputa pela terra brasileira, a Bahia, o Rio de Janeiro, a escravidão, a miscigenação religiosa, os cronistas que na época escreveram sobre o Brasil e tantos mais temas sobre a construção do que vem a ser a maior realização dos portugueses fora de suas fronteiras: o Brasil.
(*) Embaixador brasileiro aposentado, residente em Lisboa, Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento do Mundo da Língua Portuguesa.